Cristina sempre teve vontade de pintar os cabelos, mas tinha medo de que o resultado não agradasse as amigas, e sua mãe não aprovava a idéia. Cristina sempre teve muito medo do que os outros poderiam pensar a seu respeito, e por isso não ia a muitas festas. Era moça solteira, de boa idade e direita, e moças direitas não saíam por aí se exibindo em festas na companhia de qualquer um, pelo menos esse é o pensamento dos mais velhos em Cidadezinhas do sertão Paraibano onde Cristina nasceu e foi criada. Uma vez ela até teve um namorado, mas falavam horrores sobre ele. Diziam que depois da meia-noite o que se via sair da janela do seu quarto era fumaça, e que os olhos dele eram vermelhos, falava bobagens e ria muito. A avó de Cristina dizia que fumaça de cheiro esquisito como aquela era coisa do capeta e se ajuntar com o capeta certamente não era boa coisa. E por respeito aos mais velhos, Cristina abandonou a idéia do namoro que já tinha até pretensão de ser noivado. E Cristina era moça que sabia respeitar. Respeitava pai, mãe, tios, o pastor, e não cobiçava primos. Cristina respeitava tanto que uma vez até tentou trabalhar fora, mas seu tio disse que quem trabalha fora é mulher da vida e que moça de família tem mais é que casar e tomar conta da casa, do marido e dos filhos, e por respeito ao tio e temendo que a família implicasse, ela desistiu mais uma vez. Cristina respeitava e desistia, desejava e acatava ordens, assumia e esmorecia e fingia que estava tudo bem. E assim foi murchando a pobre Cristina. Porque o medo de assumir quem somos, o que sentimos e queremos faz da gente uma planta murcha que definha a cada dia, a cada não, a cada olhar de desaprovação. E assim Cristina murchou, secou, sumiu e desejou só mais uma vez ter o poder de voltar no tempo e ter pintado os cabelos da cor que queria, ter ido a festas na companhia de moças depravadas, mas alegres e ter enfrentado o trabalho que lhe ofereceram como operadora de caixa de um supermercado. E o que mais a entristecia era não ter casado com o rapaz que gostava de fumaça durante a meia-noite, porque agora era como fumaça que ela desaparecia.
Imagem de Salvador Dali
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