segunda-feira, 6 de junho de 2011

Rotina


Todos os dias Fátima olha no espelho e percebe um ou outro cabelo branco que no dia anterior parecia não estar lá. E tingir os cabelos lhe parece sem sentido, tão sem sentido quanto a vida de Fátima que há anos não sai do lugar, segundo o que ela própria diz perante o espelho, quando analisa os cabelos e as rugas que a cada dia estão mais profundas. Preocupada com o tédio que ronda sua vida, Fátima promete a si mesma tomar um novo rumo e fazer algo de útil, além de acordar, trabalhar, dormir tarde por causa da insônia, acordar novamente, trabalhar e no dia de folga fazer faxina em casa. Ela sabe que emprego está difícil e que deveria agradecer pelo trabalho, e ela está grata sim, mas ter um emprego não lhe bastava pra ser considerada uma pessoa feliz. Até porque, muitos desempregados têm em abundancia o que ela sempre sonhou e não conseguiu. Família, amor, companhia pra ir ao cinema, e na falta de dinheiro pro cinema, uma cerveja no bar da esquina já seria suficiente. Cansada de tanto lamentar, Fátima resolve montar sua agenda do dia seguinte, incluindo atividades que ela normalmente não faz. Pensou em acordar duas horas mais cedo que de costume, ir até o parque ao lado de sua casa e fazer uma caminhada. Ia ser ótimo praticar um pouco de exercício, quem sabe até conheceria alguém especial ou faria novas amizades. E depois da caminhada, ler um bom livro tomando café da manhã na varanda não seria nada mal. Iria ao trabalho como normalmente fazia, mas na hora do almoço ela planeja passar no shopping, comprar um vestido elegante e finalmente aceitar o convite pra jantar que seu colega de trabalho fez na semana passada. E ao chegar em casa, iria ao teatro ou ao cinema com alguma amiga. Depois de passar horas organizando sua agenda e sonhando acordada com a vida terá quando sair da rotina chata que há anos lhe corrói, olhou o relógio e viu que já era madrugada. Tratou de apagar a luz e dormir, mas a ansiedade era tanta devido aos novos planos que não conseguiu. O despertador tocou às seis horas da manhã, mas de tão cansada que estava, Fátima o desligou sem nem ao menos abrir os olhos. Horas mais tarde acordou de sobressalto, já estava atrasada pra ir ao trabalho, correu de estômago vazio pra não perder o ônibus, e observando as avenidas por onde andava todos os dias, se deu conta de que aquele seria mais um dia igual a todos os outros e que teria que adiar seus planos mais uma vez.                          
                                                     

                                                                                         Imagem de Salvador Dalí